domingo, 30 de maio de 2010

As desvantagens da alternativa fiscal

Há duas semanas propus aqui uma resposta fiscal à crise em Portugal de efeito imediato. Consistia, por um lado, em diminuir (ou mesmo eliminar) a contribuição do empregador para a segurança social (TSU) para reduzir os custos das empresas e torná-las competitivas. Por outro lado, aumentar o IVA, estendendo-o a todos os bens a uma taxa única de 20%, eliminando os regimes especiais e a isenção da habitação (eliminando o IMT em troca). Uma alternativa mais suave seria reduzir o TSU e aumentar proporcionalmente as taxas de todos os regimes do IVA, do IMT, e um imposto sobre as rendas.

Esta medida tem duas virtudes. Primeiro é equivalente a uma desvalorização cambial feita pela avenida fiscal. Logo, estimula as exportações e penaliza as importações, aumentando o PIB e reduzindo o nosso défice externo. Segundo, aumentar o imposto sobre o consumo estimula a poupança, ajudando a combater o nosso endividamento. As duas medidas combinadas, feitas na medida certa, têm zero efeito no défice público.

Nicolau Santos no último "Expresso" pediu que se estudasse melhor esta proposta. Para avançar a discussão, aqui ficam o que penso serem os quatro principais problemas:

1. Aumenta a desigualdade. Os ricos poupam mais que os pobres. Logo, qualquer aumento do IVA recai sobre uma maior parcela do rendimento dos pobres. Note--se que isto é inevitável: qualquer medida que promova a poupança tem este efeito. Pode-se no entanto combatê-lo alterando também o IRS. Permitir mais deduções fiscais associadas às poupanças, e escalonadas com os rendimentos, neutraliza o efeito na desigualdade sem afectar a eficácia da proposta.

2. Aumenta o custo de vida. O preço dos bens importados aumenta, logo os portugueses ficam mais pobres. Novamente, isto é inevitável e intrínseco a qualquer desvalorização. Ao mesmo tempo, a médio prazo os salários vão subir na mesma medida que a TSU desceu, recuperando esta perda.

3. A desvalorização é temporária. Assim que os salários subirem, o efeito competitivo desaparece. Mas fica o efeito de estímulo à poupança. Se este aumenta o investimento e promove o crescimento económico, ficamos todos mais ricos permanentemente.

4. Distrai-se a atenção das reformas essenciais. No ensaio original já apontava esta preocupação. Para Portugal voltar a crescer temos de fazer reformas estruturais: flexibilizar o mercado de trabalho, reformar o sistema de justiça, aumentar a concorrência, reduzir custos de transporte e dependência energética, e reduzir a despesa pública. Todos os economistas credíveis já repetiram isto vezes sem conta. Nenhuma engenharia fiscal substitui a necessidade urgente destas reformas.

Não há soluções perfeitas, mas ainda estamos a tempo de escolher o nosso caminho, em vez de deixar que seja imposto de fora pelo FMI ou pela UE.

Ricardo Reis, Professor de Economia da Universidade de Columbia

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Realidades económicas do Oriente

Os países asiáticos surgem neste final de década como os grandes países emergentes e sobreviventes à forte crise financeira e económica que o mundo está a viver. Nomeadamente a China, assume-se hoje como um caso de sucesso de modelos de gestão financeira e económica, inspiradores de novas estratégias, mesmo para muitas indústrias dos países mais desenvolvidos no mundo.

A China é um país em forte desenvolvimento nos últimos 20 anos, após a combinação de um ambicioso programa de reformas estruturais e o ressurgimento de valores tradicionais antigos da mentalidade e ambição orientais. Factualmente, a riqueza criada internamente por este país cresceu 100% todos os anos nos últimos 20 (em termos comparativos com o ano de 1980).

Este enorme crescimento económico não tem, ainda, relação equivalente com o nível de vida e avanço da sociedade chinesa. Por exemplo, a economia corresponde a cerca de 5% da economia mundial, enquanto o Japão preenche 10%, a União Europeia 32% e os Estados Unidos da América 30%. Mais ainda, o rendimento per capita é ínfimo em relação à riqueza criada na China e decorrente não apenas da elevada densidade populacional mas também das enormes assimetrias regionais existentes.

A história da economia chinesa tem registado enormes mudanças e retornos em torno duma viragem de economia de mercado para economia estatal e vice versa, embora se tenha afirmado ultimamente e com maior clareza como uma economia de mercado e, desta forma, mais mundializada. O Estado, ainda bastante interventivo, governado pelo Partido Comunista Chinês, foi perdendo, gradualmente, intervenção na esfera económica e superou barreiras importantes como a proibição do comércio externo. Aliás, este passou a ser o principal motor do crescimento económico. As empresas públicas representam hoje menos de 30% da economia nacional e o sector terciário encontra-se em grande expansão neste mercado, factores também positivos na complementaridade da actividade económica.

O país beneficia actualmente de um conjunto de valores e ideologias próprias da cultura chinesa e que acabam por gerar potencialidades económico-empresariais significativas. Predomina uma cultura muito nómada entre a população chinesa e no qual a mobilidade é um recurso de extrema importância na actividade empresarial do país. Tal permite uma fortificação de conhecimento e inovação apoiado em fortes redes comunicacionais entre os vários empresários dos inúmeros sectores de actividade. A rede fornecedor-cliente é altamente beneficiada e a gestão de cada parte é quase que partilhada mutuamente no sentido da melhoria dos custos de produção e alta performance nos padrões de qualidade. O cliente influencia e pressiona a gestão do fornecedor no sentido de comprar mais barato e com melhor qualidade, enquanto aquele procura, por seu lado, ampliar o leque de clientes.

A China é um mercado em franca expansão nas últimas duas décadas. Todavia, é um país dividido por duas velocidades e fragilizado pelas elevadas assimetrias entre a zona oeste e a zona este. Segundo estudos oficiais divulgados pela OMC, caso os pressupostos definidos pela China até 2050 sejam concretizados, o país não passará de um território moderadamente desenvolvido.
Jorge Manuel Honório